O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta, 3, manter o fundo eleitoral em R$ 4,9 bilhões. O valor reservado ao financiamento de campanhas nas eleições deste ano é superior ao orçamento de 99,8% dos municípios brasileiros, incluindo nessa conta toda a arrecadação com impostos, além de transferências federais e estaduais para as cidades. Em 2020, segundo dados da Frente Nacional dos Prefeitos, 17 capitais não alcançaram essa mesma receita.
Com o aval dado por nove dos 11 ministros do Supremo, os partidos - que,
diferentemente de prefeituras, são entidades privadas - dividirão a verba
estipulada pelo Congresso de acordo com as bancadas eleitas para a Câmara dos
Deputados em 2018. Desse modo, os maiores beneficiados serão o União Brasil
(fusão entre o DEM e o PSL) e o PT.
Somando-se o fundo eleitoral ao Fundo Partidário, de R$ 1,06 bilhão, somente o
União Brasil receberá quase R$ 1 bilhão de recursos públicos ao longo deste
ano. O valor equivale, por exemplo, ao orçamento anual de duas capitais
brasileiras: Rio Branco (AC) e Macapá (AP). De acordo com a FNP, apenas 95 dos
5 568 municípios brasileiros têm uma receita anual bilionária.
Ao aprovar o montante que custeará as eleições de outubro, a maioria dos
ministros considerou que o Congresso não feriu a Constituição ao elevar o valor
utilizado nas eleições de 2018 e 2020 - as primeiras realizadas com recursos
públicos - nem ao definir uma regra para o cálculo do fundão.
Em julho do ano passado, na votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO),
deputados e senadores modificaram, via emenda, o texto proposto pelo governo
Jair Bolsonaro para definir que o "fundão" fosse equivalente a 25% do
orçamento da Justiça Eleitoral em 2021 e 2022. A conta resultou em R$ 5,7
bilhões, valor vetado pelo Palácio do Planalto e reduzido posteriomente durante
a votação definitiva do Orçamento deste ano, passando aos atuais R$ 4,9
bilhões.
Para o partido Novo, que entrou com ação no Supremo contra o valor do fundo
eleitoral, houve vício de iniciativa na votação da LDO, prejudicando todo o
processo seguinte. De acordo com a legenda, a alteração feita por meio de
emenda parlamentar no texto original seria inconstitucional.
Somente o relator da ação, André Mendonça, e o ministro Ricardo Lewandowski
votaram para reduzir o fundo. Manifestaram-se a favor da manutenção dos R$ 4,9
bilhões Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Dias
Toffoli, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes e, parcialmente, Luís Roberto Barroso e
Rosa Weber - ambos acompanharam Mendonça ao considerar a existência de vícios
na aprovação da LDO, mas divergiram sobre a inconstitucionalidade do Orçamento.
‘DESPROPORCIONAL’. Mendonça apresentou, na primeira sessão de julgamento, um
longo voto no qual considerou a cifra "desproporcional". Como
solução, ele propôs que o valor para este ano fosse igual ao fixado para a
eleição de 2020 (R$ 2,1 bilhões), corrigido pela taxa do IPCA-E até dezembro de
2021. O valor ficaria em cerca de R$ 2,3 bilhões - ou seja, R$ 200 milhões a
mais do que a proposta enviada pelo governo ao Congresso durante a formulação
do Orçamento.
A maioria dos ministros, no entanto, considerou que não compete à Corte alterar
os valores fixados pelo Congresso. A divergência ao voto do relator foi aberta
por Nunes Marques, que disse não ver "extrapolamento" dos limites
estipulados na LDO. Para o magistrado, "o financiamento público faz parte
de um mecanismo desenhado para possibilitar a pluralidade do debate
político".
O presidente do Supremo, Luiz Fux, embora tenha acompanhado Nunes Marques,
apresentou um voto crítico aos valores fixados pelo Legislativo, mas ressaltou
que não houve inconstitucionalidade no processo. Ainda segundo Fux, a Corte não
tem "capacidade constitucional" para decidir sobre este assunto, que
seria de competência exclusiva do Congresso. "O valor é alto, mas
inconstitucionalidade aqui não há", afirmou.
O caso foi tratado por Fux como mais um exemplo de judicialização da política,
em que partidos insatisfeitos com decisão do Congresso recorrem ao Supremo. Ele
afirmou ainda que este tipo de ação tem gerado problemas institucionais à
Suprema Corte. "Cabe a quem votou essa iniciativa pagar o preço social,
não nós do Supremo. Nós não votamos", concluiu.
PODERES. Para Lewandowski, porém, "excessos realizados por Executivo e
Legislativo podem, sim, ser corrigidos pelo Judiciário". Ele foi o único a
seguir Mendonça na defesa da redução do valor estipulado por deputados e
senadores.
Para o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), a ação do Novo foi
uma tentativa de "criminalização da política". Antes do julgamento,
Lira encaminhou ao Supremo manifestação em que alega a existência de um
movimento do partido para "instrumentalizar o Poder Judiciário como
instância de revisão de mérito de decisões políticas legítimas do Poder
Legislativo"
Após a decisão, o Novo afirmou, em nota, que "o fundão bilionário
concentra poder em políticos privilegiados e prejudica ainda mais a nossa
democracia". O texto assinado pelo presidente nacional do partido, Eduardo
Ribeiro, defende a correção do valor apenas pela inflação. Diz, ainda, que
seguirá lutando para que "o dinheiro do cidadão seja respeitado e para que
as eleições sejam um momento de fortalecimento da democracia".