Na tarde deste sábado (26), o Batalhão de Choque da Polícia Militar (PM) foi acionado para mediar um conflito entre indígenas Guarani e Kaiowá e fazendeiros da região de Rio Brilhante, em Mato Grosso do Sul. Os índios haviam realizado uma retomada no território reivindicado como parte do tekoha (aldeia) Laranjeira Nhanderu.
Conforme o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a ação policial deixou pelo menos três indígenas feridos com balas de borracha e foi realizada sem mandado judicial. Em nota oficial divulgada na noite deste sábado (26), o Choque admitiu ter usado de força para "dispersar" os índios.
Vídeo gravado pelos próprios indígenas no momento do despejo registrou o som de bombas e captou os policiais mandando os indígenas irem "para trás da cerca", em meio a gritos de mulheres e crianças. "Nós somos humanos também, que nem vocês", grita uma Guarani Kaiowá na gravação, antes de alertar seus familiares: "cuidado com a bomba!".
Pelo menos três indígenas foram atingidos por disparos de balas de borracha, no joelho, nádegas e barriga, conforme as lideranças do Laranjeira Nhanderu. O uso do gás lacrimogênio também fez com idosos passassem mal, afirma o Cimi.
"Não foi de fato um cumprimento de uma ordem de reintegração de posse. Foi o Estado tomando partido a favor de um particular, no caso o proprietário rural, e em desfavor da comunidade indígena, que tem uma pauta legítima, reivindicando a demarcação de um território", declaram as lideranças do Laranjeira Nhanderu.
Entenda o conflito
Em mobilização contra a iniciativa de políticos e agentes de sindicatos rurais que pretendem estabelecer um assentamento rural na propriedade, os indígenas haviam retomado a fazenda "Inho" na madrugada deste sábado (26). A fazenda é parte da área reivindicada como de ocupação tradicional pelos Guarani e Kaiowá e está em processo de identificação e delimitação pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
A área retomada consta do perímetro em estudo para demarcação da Terra Indígena (TI) Brilhantepegua I, incluída no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre a Funai e o Ministério Público Federal (MPF) em 2007. O acordo estabeleceu um plano de estudos para a demarcação de terras indígenas Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul.
Segundo as lideranças, a comunidade do tekoha Laranjeira Nhanderu decidiu fazer a retomada depois de ser informada de que famílias cadastradas para o assentamento pretendido ocupariam a área da fazenda neste final de semana, após o término da colheita de soja, com a intenção de pressionar o Estado para agilizar a concessão de crédito fundiário.
Conforme o relato dos indígenas, a tropa de choque da PM chegou de surpresa e partiu para cima da comunidade, com uso de bombas de som e luz, gás lacrimogênio e balas de borracha. "Tinha essa ameaça de invasão [do grupo que pretende ser assentado], mas nós fomos surpreendidos pela tropa de choque, que chegou atirando, não dialogou nada. Nos desrespeitaram, nós também somos humanos, buscamos o diálogo. É conversando que a gente se entende. Recuamos, e eles continuaram atirando", relata uma das lideranças.
"Nós não iríamos ocupar essa fazenda, mas começaram a atiçar o pessoal com esse programa fundiário. E aí resolvemos reagir, nos manifestar, para não perder esse território, que está dentro da nossa terra", declara. Após a ação policial, os indígenas recuaram até as áreas anteriormente ocupadas pela comunidade, na propriedade vizinha à fazenda Inho.
"Depois dos tiros, conversamos com o pessoal da Funai (Fundação Nacional do Índio). Fizemos um acordo para que o relatório do Laranjeira volte a ter andamento, para que tenhamos liberdade total onde estamos vivendo, sem que o fazendeiro nos cerque e nos monitore, e pedimos que ele seja processado", relata uma das lideranças do tekoha.
Os indígenas afirmam que não abrem mão do território de Laranjeira Nhanderu, por cuja demarcação aguardam há quase duas décadas, e não aceitarão o assentamento na área. Segundo o próprio manual de operações do Programa Nacional de Crédito Fundiário, para que um imóvel seja passível de aquisição para projetos de assentamento, ele não pode estar "localizado em áreas declaradas ou de pretensão indígena".
"A polícia e a Funai nos garantiram que, se o pessoal do assentamento entrar lá, eles também vão ser despejados", afirma a liderança indígena.
Versão do Choque
o Batalhão de Choque da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul se pronunciou a respeito da ocorrência. Em nota oficial, divulgada à imprensa na noite deste sábado (26), o Choque afirmou que "não se trata de reintegração de posse, e sim de ameaça e roubo".
"O Batalhão de Choque foi acionado hoje (26) no período vespertino para atuação em decorrência de um roubo e ameaça. Indígenas invadiram a fazenda renderam o caseiro, roubaram algumas coisas, expulsaram o caseiro da casa e ficaram no local", diz o comunicado.
A equipe declara ainda que precisou usar da força. "Chegou para o Choque a informação de que os autores estavam na fazenda. As equipes da Tropa chegaram ao local e se depararam com os indígenas em posse da área. Foi dada a ordem de retirada, pois os eles foram resistentes, resultando na utilização do uso da força pelo Batalhão. Os índios foram dispersados e a situação foi então", afirmou o Choque em nota.
FONTE: MÍDIAMAX