A desaceleração registrada nas inflações dos Estados Unidos e Alemanha em julho, assim como um dado menor que o esperado na China, podem indicar o início de um movimento de arrefecimento global das pressões inflacionárias, afirmam especialistas ao CNN Brasil Business.
Esse movimento estaria ligado a dois fatores. O primeiro, uma desaceleração econômica em uma série de economias conforme os bancos centrais elevam os juros para combater níveis recordes de inflação.
O segundo, consequência do primeiro, é uma queda nos preços internacionais das commodities, que acabam refletindo em todos os países.
Em julho, a inflação norte-americana medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (CPI) ficou estável ante junho, com o acumulado em 12 meses caindo de 9,1% para 8,5%. Já na Alemanha, o acumulado recuou de 7,6% para 7,5%, e na China, chegou a 2,7%, menos que os 2,9% projetados pelo mercado.
Há, também, o caso do Brasil, onde o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou deflação de 0,68% em no mês passado, com o acumulado em 12 meses caindo de 11,89% para 10,07%.
Perspectivas
Para o especialistas CNN em economia e economista-chefe da MB Associados Sergio Vale, os dados de julho ainda são recentes e, sozinhos, não indicam uma tendência. Mesmo assim, eles são positivos.
“O segundo semestre deve ter desaceleração de atividade, com commodities mais baratas, o que é positivo para a desaceleração na inflação e reflete no Brasil”, explica.
A tendência é que, caso os resultados de julho se confirmem em outros meses, a desaceleração da inflação permita que os bancos centrais não precisem subir tanto os juros quanto o esperado inicialmente, incluindo os Estados Unidos. Com juros menores, o dólar é menos atraente para investidores, permitindo fluxos de investimento em mercados como o brasileiro, ajudando na valorização cambial.
Vale considera que o quadro de desaceleração da inflação pelo mundo dependerá de uma continuidade dos preços das commodities em queda ou em patamares mais baixos que no primeiro semestre e de uma desaceleração global da atividade econômica, que também afetaria os preços desses produtos.
Ele ressalta, porém, que “mesmo que a inflação desacelere, os países ainda vão subir precisar subir juros, porque o mercado de trabalho ainda está muito aquecido nesses lugares e as inflações estão longe das metas, mas não precisariam subir com tanta intensidade com a inflação caindo antes do que se imaginava”.
Nesse cenário, os dados de inflação dão sinais de que a queda nos preços de commodities e bens industriais começam a refletir na inflação, segundo o economista do Banco Original Marco Caruso. A tendência, afirma, é de uma desaceleração disseminada nos números ao redor do mundo.
No caso dos Estados Unidos, ele avalia que o resultado do núcleo de do indicador, que exclui alimentos e energia, surpreendeu com um valor abaixo do mercado.
“Esperava-se que bens cederiam, mas o mercado de trabalho apertado manteria o núcleo pressionado, e veio mais baixo. Nesse caso, precisamos ver os próximos dados para ver se é algo isolado, acredito que os núcleos ainda devem ter resistência pelo mercado de trabalho”, diz.
A tendência é que uma combinação de desaceleração econômica global, normalização de cadeias de produção e queda de commodities gere um alívio para a inflação de alimentos, combustíveis e produtos industriais nos próximos meses, afirma a economista-chefe da Rico Rachel de Sá.
“Afinal, um mundo que cresce menos consome menos, produz menos e demanda menos bens e insumos básicos”, ressalta.
Outro fator é o surgimento dos efeitos das políticas monetárias mais contracionistas pelo mundo, resultado do combate à inflação, aponta o estrategista-chefe da Avenue, William Castro Alves.
“Fora isso, grande parte desse dado de inflação dos EUA foi essencialmente da queda de petróleo e derivados, com peso bem relevante, o que acaba impactando bastante. Quando a economia dos EUA desacelera, impacta em todo o mundo, e os dados já conjecturam desaceleração na inflação”, afirma, citando também projeções de crescimento menor na China e na Europa.
Próximos meses
Mas ainda será necessário aguardar os próximos dados de inflação para determinar se realmente está ocorrendo uma desaceleração global nos preços, avalia a sócia-fundadora da Nord Research Marilia Fontes.
Mesmo que esse seja o caso, ela ressalta que os índices de inflação ainda devem terminar o ano distante das metas na maioria dos países, obrigando a continuidade dos ciclos de alta de juros por mais alguns meses.
Ela afirma que o mercado viu os dados de julho com otimismo, em especial nos Estados Unidos, onde a leitura foi que a inflação atingiu um pico e agora começará a cair.
“Acho precipitado acreditar nisso, é preciso ver novos dados e itens como salário. O mercado estava bem pressionado, e agora espera uma inflação no pico com tendência de queda. Com isso, o Fed pode achar que tem argumentos para dar uma alta de juros menor, mas ainda vai precisar continuar subindo juros”, afirma.
O otimismo se refletiu nas próprias projeções para a próxima alta de juros nos Estados Unidos. Após o dado de inflação abaixo do esperado, uma elevação de 0,5 ponto percentual voltou a ganhar força, ao invés de uma de 0,75 p.p.
Esse sentimento mais positivo, porém, pode ser precipitado, na visão de Fontes. “Ainda vejo o controle de inflação como desafio porque os dados mais estruturais, ligados a serviços, demoram mais para cair e estão em patamares muito altos”.
Gustavo Sung, economista-chefe da Suno, destaca que ainda existem muitas incertezas no cenário global que podem se tornar fatores de pressão inflacionária.
“Ainda pode ter reflexos da guerra na Ucrânia, com novas sanções ao mercado de petróleo da Rússia, cortes na exportação de gás para a Europa, que podem pressionar preços. Os custos industriais ainda estão elevados, de alimentos também pela guerra”, aponta.
Por isso, ele considera que os dados de julho podem indicar uma desaceleração, mas é preciso ver os números dos próximos meses para confirmar o movimento e esperar para que os possíveis riscos inflacionários se concretizem ou não.
Sung acredita ser provável ver uma desaceleração mais forte entre o fim de 2022 e o começo de 2023, quando os efeitos da alta de juros aparecerão com mais força, desacelerando as economias e fazendo os preços de commodities caírem mais.
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Há o risco, ainda, das desacelerações no mês anterior terem sido pontuais. Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital, avalia que a inflação dos Estados Unidos é um “falso sinal”.
“Com as famílias em situação financeira saudável, essa volta dos preços de reabertura não deve ter uma sequência longa. Aí sobra serviços ainda pressionados contra uma contínua moderação em bens. Esse cenário segue condizente com aperto contínuo do Fed, que deve entregar mais altas ao ritmo de 0,5 p.p até a taxa terminal de 4,0%”, afirma.
Para ela, “a acomodação de preços de energia e bens deve seguir nas próximas apurações. A chave aqui é se haverá um contágio dessa moderação no núcleo de serviços da inflação”.
Também houve a influência de medidas pontuais dos governos para contenção de inflação. Nogueira aponta que o governo da Alemanha tomou medidas para controlar os preços de energia, ajudando no resultado menor.
No caso do Brasil, houve o reflexo da aprovação do teto do ICMS na cobrança de combustíveis e energia, os dois grupos que levaram o IPCA para a deflação.
Com isso, será preciso acompanhar se os números continuarão desacelerando nos meses seguintes.
“Até a próxima decisão do Fed, em setembro, temos mais divulgações de emprego e inflação que podem ajudar a prever o movimento do banco central. Nossa visão é de que a inflação dos Estados Unidos deve continuar desacelerando lentamente, em razão da política monetária mais restritiva do Fed, no entanto, não deve voltar para a meta de 2% em um horizonte próximo”, afirma Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank.
FONTE: MSNEWS